quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

PRÊMIO BRASKEM DE TEATRO 2010 - Crônica








Um vão monstruoso se abria numa fenda que percorria das poltronas da platéia vazia  para a boca de cena, indecisa de apresentar-se para os pouco menos que quatro pagantes que se fizeram presentes, entre eles, nós [eu e Euzinha], e ali estavam no Teatro (de nome ao qual prefiro preservar para evitar processos e contar esta breve história, verídica, diga-se de passagem).
De programinha debaixo do braço, coisa difícil de se encontrar pelos foyeurs na cidade, aguardávamos sentados o zunir do segundo e terceiro sinais. Ora; haviam se passado dezesseis minutos além do horário regulamentado. Algo estranho deveria ter acontecido, pensei. Ao meu lado mais outras duas pessoas que eu não conhecia; mas que em conversação de pátio, entendi que estavam de passagem em Salvador; e que neste dia pretendiam assistir a um espetáculo com o desejo de descobrirem como se portava o teatro daqui.
De repente, numa aparição curiosa ao palco, frente às luzes da ribalta, como numa penumbra, uma pessoa fez-se presente no proscênio, e como numa interessantíssima situação de cena daquelas...

CENA EM ATO ÚNICO

PRODUTOR
(entrando, nervoso)
Boa noite a todos. Me chamo **********, sou o produtor da Companhia *************************, e estou aqui para comunicar-lhes com pesar, de que fortuitamente hoje, nosso espetáculo não poderá ser apresentado devido a um pequeno problema de... (pigarreia) público.  Existe uma norma do Teatro de que o mínimo de público é ao menos o número de atores do elenco. Como não há este número presente (eram nove atores), pelas normas do Teatro, então a peça não será apresentada. Pedimos desculpas pelo acontecido e reembolsaremos os senhores e senhoras caso desejem, ou mesmo que guardem os seus bilhetes para assistir-nos na próxima semana. Mais uma vez, em nome da Companhia, peço desculpas, e uma boa noite a todos.
(sai, não cai o pano. A personagem desce do palco e abre a porta de saída do teatro)

FIM

***

                Puxa vida. Euzinha, ao meu lado me perguntara se isto fazia parte da peça; pois a fé cênica era tão forte que fez-nos desrecostar da cadeira, pormos o tronco para frente, a mão no queixo semi-aberto de uma maneira quase que sincronizada.
Estávamos impressionados.
                No final, nos perguntamos com cara de copo d’água um para o outro: parecia inacreditável, mas aquilo era verdade mesmo.
Estava ali, o cruel teatro da vida real. Pra quem faz o dito-cujo.
                Uns vinte minutos depois, — quando esperávamos uma dessas chuvas de verão que estalam de uma hora para outra passar, — reconheci alguns atores pela fotografia do programa da peça, saindo do teatro. Eles provavelmente conversavam transtornados pelo acontecido; e ao meio da consternação, ouvi com ouvidos involuntários um comentário solto entre eles; e como o meu material de trabalho aqui é a fofoca alheia mesmo, reproduzo sem distorções, só preservando os nomes:

— Poxa fulano, o público tá f***. Mas se tivesse alguém do Braskem hoje, cê sabe né?

— Rapaz, se tivesse jurado do Braskem hoje? Eu apresentaria como se o teatro tivesse 1.000 pessoas!

Bem, da bilheteria rejeitada e reembolsada, serviu-nos mesmo para bancar o papo de bar com o mote apresentado aí em cima; o epíteto que deu forma a este texto que vos comunica.

E certo, sabemos que nos últimos tempos público está sendo um problema muito grande, que requer analista (por sinal de maneira curiosa cito aqui a Adriana Amorim, que discute de maneira extremamente interessante isto e outras coisitas más no seu blog www.futeboldeartista.blogspot.com.br), mas especialmente este comentário, assim, deste jeito: solto, — despretensioso, jogado às noções do senso-comum, nos chamou muito a atenção naquela noite, enquanto esperávamos a chuviscada de canivete se cansar.

— É, não poderia ter morrido sem essa.

Espectador-espectador.

E não espectador-ator. Espectador mesmo. Aquele que assiste; que quando vai ao teatro pretende energizar-se com suas memórias, através da luz da deusa Mnemosine. O espectador não é algo dissociado do teatro. Aquele que celebra e movimenta o sentido da cena em sua celebração-mor. Se vai ao teatro assim, como se vai ao espelho. O espectador/ espectador é deixado de lado, impiedosamente, ingenuamente muitas vezes, seguindo um barco desgovernado, cachoeira abaixo.

Para mar de petróleo, mar escuro, nada transparente.

[Este episódio, além de outros que sem dúvida não faltarão, abre uma série de discussões bem pertinentes acerca da “função” do público na contemporaneidade, no (e não do) teatro, já que mesmo sendo pouco, é; e mesmo sendo “é”, se é desconsiderado em ereção ao mercado sem distinção nenhuma:
ao nobre pensamento capitalesco.

— Óbvio, todos nós precisamos de dinheiro, não sejamos hipócritas! Existe ainda amor à arte? Amor à camisa?
Ah, me poupe!

Sim. Dinheiro é um pedaço de papel. “Ninguém vive de bilheteria”, já dizia minha avó quando sabia dos meus muitos amigos. O tal da figura mitológica do jurado; aquele que tem um valor e calor quantitativo a 1.000 espectadores no público como descrevera nosso artista acima, não fora; e portanto, não houvera espetáculo.

E eu, Euzinha e os outros dois? Somos o quê?

— É, eles realmente mandam. Quem não vai obedecer? É a única coisa que ainda mantém a graça no teatro daqui. Público, você já viu como é... deixou de ser o interesse do Teatro.

O combustível do mundo hoje é o petróleo.



Tivemos a sensação então, após ouvir aquele comentário de que o jurado vale mais de 1.000 espectadores juntos, de não existirmos; de não termos utilidade de cotação, no proletariado artístico.
— Mas é assim mesmo. Esse povo mal educado, esse povo da Bahia que não vai ao teatro, esperava o quê?
E aí vem-nos mais uma bomba para a já frágil e desunida “Classe Teatral Bahiana”: o dilema do Braskem.
As companhias, a grande maioria delas (a não ser as que são apoiadas pelo Estado, as cartas marcadas de povo conhecido, até elas mesmo, a depender do peixe em questão) se apequenam diante deste epílogo.

Único epílogo. Monoepílogo.

— Oxente: “mas o céu é mais em cima!”, — diriam os meus irmãos indignados numa hora destas.

O jurado do Braskem: aquela figura politicamente mitológica, o estudioso, politicamente correto, de canetinha esferográfica nos bolsos e diploma debaixo do braço. Aquele que nem aplaude e que faz cara de guardanapo limpo. O que entra mudo e sai calado. O artista que pouco tentou, pouco conseguiu. Aquele que respeita e sempre respeitará as regras, pau mandatto, acomodados em pouca luta (pois toda a luta é pouca) cerceados pelos fantasmas politicados; aqueles que nunca aparecem, rodeados por uma outra política maior qual não compreendo pela minha curta juventude ousada e desembestada e desembasada: sem óleo e petróleo; tudo é político, até a natureza, todos nós sabemos e fazemos, desde o chorar do neném. Monoprêmio = monopólio. Unanimidade = estultice. De certo, o deus Dinheiro, de muitos filhos, entre eles o status e a política paridos, e que a alimenta [a política] paparicando, envaidecendo, acomodando uns e esmagando outros em detrimento dos valores éticos e morais da gentália que pensa pequeno; o que movimenta os desejos-matérias, procura que nem imã por quem mais joga por ele.

Que gente humilde

que vontade de chorar...

O prêmio Braskem, na verdade, premia quem quer.

— Ô, se eles tem dinheiro pra isso?

Mas o questionamento aqui levantado não é o de quem merece ou mereceu ou quem deixará de merecer. Não. Quem julga, ou dentre toda essa moral implantada, tem a consciência do que é ou do que deixa de ser, assim dizem. É uma questão de classes dentro da classe; é uma questão de autonomia e a falta dela, e a alienação dos nossos grupos e companhias; para o que se faz teatro; para quem; e o quase comunica,
quando se comunica.

Vão dizer: políticas culturais; políticas sim, política não;
política.

— Magia se combate com magia.

Política com política.

O fato é que este (antes, Bahia Aplaude) prêmio Braskem, ex-Prêmio Copene (até quando o grupo Odebrecht uniu-se ao extinto Grupo Mariani para assumir o controle da Copene Companhia Petroquímica do Nordeste S.A – Pesquisem a História da Braskem S.A), soa como uma migalha seca e miada perto do que é o que é. O nosso teatro,quais as grandes figuras, ou o jornalismo histórico, a memória coletiva dizem ter uma história grandiosa, não pode se circunscrever a apenas um único prêmio que o identifique como algum tipo de “selo de qualidade”. O mal identifica, por sinal. Não diz muita coisa, além de sempre sinalizar, em meio à falsidade de alegrias ingênuas e sabidas, que tudo está errado. Vem a festa, a grande celebração da classe, muitos querem o convite, comer os buffets, verem os badalados artistas; alguns, até mais animadinhos, com inveja da supremacia Norte-Americana nas políticas artísticas, o chegam a intitular de “Oscar do Teatro Bahiano”. Exagero. Diante da esmola com cheiro de óleo, cegam-se das políticas públicas, esquecem-se os problemas; a crise monumental no estado, a falta de gestão; a falta de profissionalização que NEM as, ou melhor dizendo, — A Universidade obtém como compromisso e nem dá conta, pela provável falta do mesmo. Juntam-se as panelinhas no foyeur do TCA, o que ilustra muito bem a desunião e a desilusão, e a guerra sem motivo e não declarada da classe contra quem (?).
                
Quem tem o monopoder, o poder monocrômico, monocórdio, monótono, comanda em mono.

— Estamos num país democrático. 
Stereo.

— E se não está contente amigo, faça o seu prêmio. 

No mais, para não perder o costume, aí vai a lista de indicados,
ao PRÊMIO BRASKEM DE TEATRO 2010.

Veja e opine.

Faça o seu Braskem. 

Ator



Andrea Elia (As Velhas)

Cláudia di Moura (As Velhas)

Evelyn Buchegger (Luz Negra)

Jacyan Castilho (A Cela)

Yumara Rodrigues (Monstro)



Texto

Armindo Bião (A Gente Canta Padilha)
Cláudio Simões (Trilogia Shirley)
Fábio Espírito Santo (Matilde, La Cambiadora de Cuerpos)
Fábio Vidal (Sebastião)
Paulo Henrique Alcântar (Partiste)

Revelação

José Jackson (direção) - Dois Perdidos Numa Noite Suja
Marcele Pamponet (direção) - Torre de Babel
Margarida Laporte (atriz) - Partiste
Nando Zâmbia (ator) - Dois Perdidos Numa Noite Suja
Talis Castro (ator) - Pólvora e Poesia

Categoria Especial

Jarbas Bittencourt (Direção Musical) - Bença
Pedro Dultra (Desenho de luz) - A Cela
Rodrigo Frota (Cenografia) - Pólvora e Poesia/As Aventuras do Maluco Beleza
Uibitu Smetack (Direção Musical) -O Pássaro do Sol
Zebrinha (Coreografia) – Bença

Direção

Fernando Guerreiro (Pólvora e Poesia)
Jorge Alencar (Camila e o Espelho)
Luiz Marfuz (As Velhas)
Marcio Meirelles (Bença)
Olga Gómez (O Pássaro do Sol)

Espetáculo Infanto-Juvenil

As Aventuras do Maluco Beleza
Camila e o Espelho
O Pássaro do Sol
Papagaio


Caio Rodrigo (Pólvora e Poesia)

Duda Woida (O Melhor do Homem)

Fábio Vidal (Sebastião)

Jarbas Oliver (Siricotico)

José Carlos (As Aventuras do Maluco Beleza)



Atriz



Espetáculo Adulto
Bença
Dois Perdidos Numa Noite Suja
Partiste
Pólvora e Poesia

As Velhas

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O BOZÓ




Introdução
 
Este projeto tem como objetivo a criação de um jornal/tablóide/informativo alternativo, ”O BOZÓ”.


 Pois bem, por enquanto estamos só no blog. Mas, uma coisa de cada vez.
 
Seu nome é uma referência aberta à cultura afro-bahiana, significando: alimento, banquete espiritual; afinal, a arte, o teatro em si — como estamos tratando em questão — é deleite, e também potencial de transformação.  Sua filosofia assim como outros grupos de propósitos parecidos, mesmo sem entrar em consonância com alguns outros detalhes, é a movimentação de discussão acerca desta nossa arte, um veículo que tem como propósito a documentação e a situação de nós aqui neste estado (“estado”, em todos os sentidos possíveis), de tanta história, e atores, professores de teatro, acadêmicos, pesquisadores, diretores, cenógrafos, encenadores, coreógrafos, críticos, maquiadores, iluminadores, figurinistas, admiradores, espectadores e todos estes operários do teatro; operários da vida, do nosso contexto, do mundo em questão.
 
O Teatro na Bahia, no decorrer da história, viveu e ainda vive momentos de delírios apaixonantes!
 
O de certo é que amamos odiá-lo, odiamos amá-lo!
 
Há um desejo ardente, ardoroso, em manter a chama de Dioníso acesa entre todos nós — ou melhor, — jogar gasolina nesse fogo todo. Chama de vela de aniversário de gaveta, diriam alguns. Chama apagada, questionam outros. O BOZÓ, enquanto um instrumento de circulação idéias contemporâneas e autênticas, não nossas, mas SUAS (sim, você mesmo que está lendo), pretende contribuir neste lugar de fogo, para que seja reforçado o olhar critico, consciente e também, embriagado pelo prazer que o teatro nos oferece. O teatro/educação, a crítica teatral, o teatro e as mais suas diversas facetas e maneiras de fazê-lo, seja no palco italiano, francês, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê — aqui, entra em questão. Lembrando que isso só vai funcionar com sua colaboração, caro amigo e amiga.
 
O que é significa o Teatro aqui, nos dias de hoje? Para onde ele está caminhando? O que ele está querendo? Qual a sua tendência? É uma fase, conturbada, de transformação? Ou não, ele sempre esteve na linha correta? Está sendo útil? Onde estão os espectadores, o que eles pensam? Ele esteve sempre do mesmo jeito?
 
Procuremos estas respostas juntos.

Portanto, esperamos com sua contribuição, através de sugestões, reclamações, críticas construtivas e destrutivas, inquietações, desabafos, gente pra se juntar a nós, colaboradores, patrocínios, indicações de espetáculos, divulgações, dinheiro, doações, pré-disposição, comentários em geral sobre este ofício, porquê todo o começo de trabalho é complicado, que dirá este.

Tudo isso para o nosso email:



Evoé, nada mais,
A direção.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"A DEUSA DA LUZ"





Durante algumas pesquisas sobre figurino, encenação, encontrei o nome de uma figura interessantíssima. Tão interessante a ponto de projetar, além de outros, a mudança na concepção de luz, dança e figurino, quem sabe encenação, no século XIX: Loie Fuller (1862-1928).

Norte-americana, Loie Fuller foi, em sua arte, exploradora da iluminação elétrica, algo que era até então uma novidade no seu tempo, tanto que era vista enquanto “magia” pelo senso comum da época.


Criou sensação na transição dos dois séculos responsáveis pela visão de encenação que se tem hoje, tanto na América, quanto na Europa.

Leia-se transição: o Théâtre-Libre de Paris, a Freie Buhne de Berlim, o Teatro de Arte de Moscou. Appia, Reindhart, Meyerhold, Paul Fort, Craig, etc.


Dançarina, Loie Fuller, não revolucionou, como já disse, somente na dança a sua interdimensionalidade coreográfica, mas abriu a concepção de “ que a iluminação elétrica pode, por si só, modelar, modular, esculpir um espaço nu e vazio, dar-lhe vida, fazer dele aquele espaço do sonho e da poesia ao qual aspiravam os expoentes da representação simbolista (...)”[ROUBINE p.21]. 

Assim sendo, ali, a iluminação elétrica e à gás, torna-se um dos principais instrumentos de estruturação/dinamização do espaço cênico. A utilização da luz não se encerra a uma definição atmosférica na cena.

A luz, torna-se um fundamental parceiro do ator, ou do dançarino, do artista no palco. Cria-se uma dimensão grande de sonho, encantamento.

Abaixo segue  um vídeo da própria, demonstrando a surpresa da época:

 






Pra quem quer saber mais:




Rhonda K. Garelick. Electric Salome: Loie Fuller's Performance of Modernism

Roubine, Jean Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Trad. Yan Michalki. 2º edição, ed. Jorge Zahar,1998 – Rj

Current, Richard Nelson, Current  Marcia Ewing. Loie Fuller: Goddess of Light